Juros dos empréstimos devem continuar em queda, mas vão seguir longe da Selic
Os juros do crédito devem continuar caindo, mesmo após a interrupção do ciclo de cortes da taxa básica de juros, a Selic, previsto para junho. Isso será possível com a recuperação da economia e a maior competição no mercado de crédito, avaliou o diretor de Economia da Associação Brasileira de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira.
Em março, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) reduziu a taxa Selic pela 12ª vez seguida, ao menor nível da história, para 6,5% ao ano, e sinalizou um novo corte em maio, com interrupção do ciclo em junho. A expectativa é que a Selic seja reduzida em 0,25 ponto percentual para 6,25% ao ano. O atual ciclo de cortes começou em outubro de 2016, quando estava em 14,25% ao ano.
Mesmo com a taxa Selic em seu menor patamar, os juros ao consumidor ainda são altos. A taxa média de juros para pessoas físicas estava em 74,3% ao ano, em outubro de 2016, e chegou a 57,72% ao ano, em fevereiro. Ou seja, enquanto a Selic caiu 54%, essa taxa média dos empréstimos às famílias teve redução de 22%.
Mas há taxas ainda mais altas, como a do cheque especial, que não mudou muito nesse período. Em outubro de 2016 estava em 328,52% ao ano e em fevereiro desse ano chegou a 324,12% ao ano. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), as instituições financeiras devem apresentar mudanças no cheque especial ainda neste mês, mas ainda não foram divulgados detalhes da alteração.
“As taxas de juros nunca vão cair na mesma proporção da queda da Selic porque ela é um dos itens que compõem o custo. Além da Selic, tem impostos e compulsórios, despesas administrativas, risco, ou seja, parte do que os bancos emprestam eles não recebem de volta, e o lucro. Naturalmente, nada justifica o patamar dos juros que existe hoje”, disse o diretor da Anefac.
Oliveira destacou que os juros do crédito ainda são altos devido ao “baixo nível” do saldo das operações de crédito, concentração bancária (poucas instituições atuando no mercado), compulsórios altos (parte do dinheiro depositado nos bancos que deve ser recolhida ao BC) e desemprego, o que leva a aumento de risco.
O diretor da Anefac lembrou que o custo de captação do dinheiro pelo banco (Selic) corresponde a 20% da taxa de juros do crédito. A maior parte da composição da taxa é o risco de inadimplência (32%). O lucro corresponde por 27%, impostos e compulsório, 20%, e despesas administrativas com funcionários e o processo de liberação do crédito, 1%. Oliveira explicou que essas despesas administrativas são mais baixas porque os bancos cobram tarifas para cobrir parte desses custos.
Com a recuperação da economia, o que deve levar a menos desemprego, o risco se reduz, avalia Oliveira. Além disso, o economista citou que recentemente o BC reduziu os depósitos compulsórios, o que liberou mais dinheiro para os bancos emprestarem, o que pode levar à redução dos juros ao consumidor. Outro fator que tem mudando o cenário é a maior participação de fintechs (empresas de inovação no setor financeiro) e cooperativas de crédito, o que aumenta a competição com os bancos. A redução da Selic também gera uma outra consequência, os bancos deixam de aplicar em títulos do governo e tendem a emprestar mais para conseguir retornos maiores.
Oliveira citou ainda o novo projeto do cadastro positivo, em tramitação no Congresso, que se aprovado vai ajudar a reduzir o custo do crédito para os bons pagadores. Atualmente, a adesão ao cadastro é opcional. Se a mudança for aprovada, a adesão será automática. “Os bancos hoje, por não ter informação, acabam cobrando caro de tudo mundo. Com o cadastro positivo, os bancos vão disputar o bom pagador, oferecendo uma melhor condição de crédito para ele”, avalia.
“A tendência é que as taxas continuem caindo, em um cenário de Selic mais baixa, de competição maior, de recuperação da economia. O Banco Central vai reduzir a Selic em 0,25 na próxima reunião. Mas mesmo dali para frente, as taxas de juros ao consumidor vão continuar caindo por conta desses fatores”, concluiu Oliveira.
A Febraban também acredita que a tendência é de redução dos juros do crédito. “Mantido o cenário atual, de inflação e Selic em baixa, de retomada gradual do crescimento e inadimplência em queda ou estável, é praticamente certo que vamos observar novos recuo das taxas ativas de crédito e dos spreads [a diferença entre as taxas cobradas nas concessões de crédito e as taxas de captação do dinheiro pelas instituições financeiras] no decorrer dos próximos meses”, avaliou.
Spreads bancários
A Febraban destaca que a queda nas taxas de juros foi acompanhada da redução do spread bruto bancário. Em fevereiro de 2018, o spread ficou em 49,2 % nas operações de crédito com recursos livres para pessoa física, ante 62,6 % registrados em fevereiro do ano anterior – uma redução de 13,4 pontos percentuais. No mesmo período analisado, o spread nas operações de crédito com recursos livres para as empresas caiu de 18,3% para 14,6%, uma redução de 3,7 pontos percentuais.
Apesar dessa redução, a Febraban reconhece que os spreads ainda são altos no país. “Estudo divulgado recentemente pela Febraban, feito pela empresa de consultoria Accenture, comprovou que a razão principal pela qual os spreads brutos são mais altos no Brasil, em comparação a outros países, está nos custos elevados da intermediação financeira. Os custos associados à inadimplência, tributação, depósitos compulsórios e outros elementos do sistema de regulação são bem mais altos no Brasil que em países emergentes relevantes, como Chile e Turquia, por exemplo”, disse a federação.
Segundo a pesquisa, as despesas com provisões para empréstimos não pagos representam 4,5% da carteira de crédito dos bancos, uma proporção 2,5 vezes maior do que o dos países emergentes, cujas provisões representam em média 1,8% da carteira de crédito. “Em relação aos países desenvolvidos, o custo da inadimplência no Brasil é mais de 11 vezes maior”, acrescentou.
Concorrência
Na avaliação da Febraban, a concentração bancária é algo comum no mundo todo. “Essa não é uma característica unicamente brasileira, e está ligada ao fato de que o setor é intensivo em capital e exige investimentos em montante elevado. Ela não representa ausência de concorrência, especialmente no Brasil, onde os bancos públicos representam cerca de 50% do mercado de crédito – nunca foram menos de 30% – e há forte presença de concorrentes internacionais. A concentração bancária tem aumentado globalmente, especialmente após a crise financeira de 2008, e, dentro de limites, com supervisão regulatória de qualidade como no caso do Brasil, facilita a fiscalização e aumenta a solidez do sistema”, avaliou.
Lucratividade
A Febraban defende que quando se compara a rentabilidade dos bancos em proporção ao capital, o setor não é o mais rentável da economia, nem tem uma rentabilidade muito diferente da registrada por bancos de outros países de mercados emergentes. A federação cita que estudo realizado pela consultoria Accenture, que apontou que a rentabilidade média dos cinco maiores bancos no Brasil, em 2016, ficou em 16,2%, próximo à média de outros países em desenvolvimento. No Chile, o valor chegou a 17,8%, na África do Sul a 15,2% e na Colômbia 14,8%. Quando se desconta desse percentual a taxa básica de juros da economia desses países, o Brasil chega a uma rentabilidade média dos cinco maiores bancos de 8,8%, enquanto, para efeito de comparação, Chile está em 14,7% e a África do Sul e a Colômbia, em 11,22%.
“Se a rentabilidade dos bancos no Brasil é semelhante à de outros países emergentes que praticam juros e spreads bem mais baixos, é preciso buscar os fatores que transformam spreads elevados em rentabilidade em linha com o restante da economia. As causas do alto spread bancário são elevados custos da intermediação financeira e não uma suposta remuneração excessiva”, argumentou a Febraban.
“Para efetivamente reduzir os spreads e as taxas dos empréstimos precisamos trabalhar não só na agenda de aumento da competição, que apoiamos inteiramente, mas principalmente na agenda de redução dos custos de intermediação financeira [como os custos com a inadimplência, compulsórios, impostos, despesas operacionais], como aliás vem fazendo acertadamente o Banco Central”, avaliou a Febraban.