Pesquisa demonstra potencialidades da produção de butiá no Rio Grande do Sul
Qual gaúcho não conhece a expressão “Me caiu os butiá do bolso”? Usada para demonstrar uma impressão ou admiração, entre outras coisas, pode ser aplicada à pesquisa “Diagnóstico de extração, processamento e comercialização de produtos oriundos de butiazais no RS”. Com uso ainda restrito, a fruta tem uma potencialidade que poderia ser uma fonte de renda para produtores do Rio Grande do Sul. E a palmeira nativa do Estado (butiazal) está ameaçada de extinção. Pensando nisso, nasceu o trabalho de pesquisadores do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (DDPA/Seapdr), coordenado pela médica veterinária, mestre em Desenvolvimento Rural e doutora em Gestão, Larissa Ambrosini.
A pesquisa durou de julho de 2020 a junho de 2021. Agora está na fase de geração de resultados, que serão divulgados no ano que vem, por meio de artigo científico e outros materiais gráficos. “Foi muito gratificante de ser executada. E foi graças a um convênio entre a Seapdr e a Emater/RS-Ascar”, explica Larissa. “A extensionista rural da Emater e mestre em Ciências e Tecnologia dos Alimentos, Bruna Bresolin Roldan, e os técnicos foram essenciais para a coleta de dados e para a geração dos resultados obtidos”.
A pesquisadora conta que existem oito espécies da palmeira no Estado, e elas estão em ameaça de extinção porque o seu habitat está sendo pressionado, tanto pela expansão da agricultura e da pecuária, quanto pela expansão urbana. “Nesse contexto, o extrativismo do butiá poderia ser uma alternativa, através de um manejo sustentável, de sensibilizar, especialmente produtores rurais, para a preservação dessa espécie, uma vez que ela poderia ser uma fonte de renda”, acredita Larissa.
“Então, como propor políticas públicas e incentivos para isso, sem saber de que universo estamos falando? Por essa razão surgiu a proposta de fazer esse trabalho”, diz Larissa. “Na verdade, a ideia veio dos colegas do DDPA, Adilson Tonietto e Gilson Schlindwein, que trabalham com a cultura há 15 anos, desde os tempos da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), extinta em 2016”. Os dois são responsáveis pelo banco de germoplasma (inédito para o butiazeiro), que fica no Centro de Pesquisas de Viamão.
Segundo Larissa, os dados coletados foram importantes para conhecer a realidade para, a partir daí, o Estado poder propor políticas públicas, ou pensar em iniciativas que possam alavancar a cultura do butiá no Rio Grande do Sul. “Eu fiquei muito satisfeita em fazer esse projeto e espero que seja a primeira contribuição de muitas para essa cultura”.
Na avaliação da secretária da Agricultura, Silvana Covatti, a Seapdr cumpre seu papel ao proporcionar mais conhecimento e possibilidades de renda às famílias do campo. “Que bom ver que o butiá, uma fruta tão conhecida dos gaúchos, pode gerar resultados econômicos, sociais e ambientais”.
Contexto da pesquisa
Para o estudo, foi usada como base a Circular Técnica 26 da Fepagro, organizada pelos pesquisadores Adilson Tonietto, Gilson Schlindwein e Solange Machado Tonietto, e publicada em 2009. Conforme ela, estudos apontam que as oito espécies registradas de butiás no Rio Grande do Sul são consideradas ameaçadas de extinção. O extrativismo do butiá, no entanto, pode ser considerado uma alternativa para estimular a preservação dessas espécies.
Historicamente, o butiá já desempenhou papel relevante na economia do Estado: a extração era utilizada para confecção de colchões e estofarias entre os anos de 1927 e 1950, e provavelmente garantiu a preservação de extensas áreas de butiazais.
Pesquisa
A proposta foi fazer um diagnóstico sobre o extrativismo do butiazeiro (Butia spp.) no Rio Grande do Sul, identificando e caracterizando as famílias que fazem uso econômico do produto e as estratégias de beneficiamento e comercialização de sua produção, fornecendo dados sistematizados acerca dessa realidade em nível estadual. “Queríamos saber qual a quantidade de pessoas, produtores rurais que fazem algum uso; qual uso é feito a partir da folha ou do fruto, ou mesmo do caroço; e qual a destinação dessa produção”, explica Larissa.
Alguns indicativos
O estudo mostrou que há presença de butiazais (incluindo lugares que não coletam ou utilizam) em 28.016 propriedades no Estado. Há maior número de propriedades com butiás na região Noroeste, seguido da mesorregião Centro-Oriental; e da mesorregião Metropolitana. “Isso é condizente com a estrutura fundiária do Estado. São as mesorregiões onde há maior número de propriedades rurais e com menor tamanho. A gente nota que a presença de butiazais não obedece a essa mesma proporção”, comenta Larissa.
“E 28 mil propriedades equivalem a 7,7% das propriedades rurais do Rio Grande do Sul. Dessas, 16.170 famílias fazem extrativismo do butiazal (considerando autoconsumo e exploração comercial)”, complementa a pesquisadora. Ela cita também que, segundo o último censo agropecuário de 2017, há 360 mil propriedades rurais no Estado.
A estimativa é de que exista, no Rio Grande do Sul, 5.346 hectares butiazais em diversos municípios. As maiores concentrações são nas mesorregiões Sudoeste e na Metropolitana. “Mas por que isso? Porque na Metropolitana, nos municípios de Palmares do Sul, Barra do Ribeiro e Arambaré, e na Sudoeste, no município de Quaraí, existem grandes áreas de butiazais”, pontua Larissa.
Outro dado levantado foi que a maior quantidade de produção e destinação de produtos oriundos do butiazal é pra autoconsumo. E o maior uso é sem processamento algum, que é o uso da fruta in natura. Depois vem o uso da fruta para fazer suco e também para fazer cachaça ou licor.
O uso da palha é praticamente inexistente. A grande maioria não produz esse item. De acordo com Larissa, a venda também é baixa. “Então, é muito pouco o aproveitamento”, lamenta.
Em relação à venda de produtos da extração do butiazal conforme manejo da propriedade rural, a pesquisa apontou que é maior o número de produtores orgânicos que, além de fazerem uso pessoal, vendem algum produto do butiá entre os produtores que fazem o manejo orgânico, do que entre os que fazem o manejo convencional. Cerca de 40% vendem a fruta in natura, 30% processam o fruto para produzir polpa e vendem, e aproximadamente 17% processam o fruto para produzir geleia, cachaça e licor.
“Talvez os produtores orgânicos sejam o público a priorizar no desenho de alguma política pública que incentive o manejo sustentável, ou extrativismo sustentável do butiá”, arrisca Larissa.
Questionados se veem nos produtos do butiazal um potencial de geração de renda para a sua família, 53% disseram que sim. Dos convencionais, apenas 17% acreditam nisso.
“Perguntamos para os produtores e técnicos quais seriam os entraves para o desenvolvimento dessa cultura. Segundo eles, seriam: a falta de estrutura de processamento, a falta de políticas públicas de apoio a essa cadeia e a falta da cultura de uso do butiá. Não veem utilidade em um produto que é rico como o butiá”, lamenta Larissa.
E quais seriam os benefícios ou oportunidades relacionados a essa atividade? Seriam: a baixa demanda de insumos, porque é uma planta nativa adaptada; e a facilidade no manejo. Os técnicos destacam também o fato de ser uma prática conservacionista e dos produtos terem um alto valor agregado. Um terço apenas dos produtores e dos técnicos destacaram que seria uma alta demanda dos consumidores.